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COMO NÃO FALAR

  • Foto do escritor: Rodrigo Gerstner
    Rodrigo Gerstner
  • 22 de dez. de 2024
  • 2 min de leitura

Como não falar de miséria?

Como não falar de miséria,

se onde e quando estamos

há miséria?

Os índices, os números, não são hipóteses,

mas também não são a miséria.

São matemática, são estatística.

A miséria é gente, a miséria respira,

a miséria nos olha, a miséria grita.

Silenciosamente grita à nossa volta,

silenciosamente habita nossas ruas,

silenciosamente se multiplica.

Um poema não é nada.

A foto de Sebastião Salgado não é nada.

Não são mãos estendidas, não ajudam.

Entretanto, são inevitáveis

entre tanta miséria. Como não falar?

Os filhos perguntam por que a senhora

mora na rua, mora

sobre um papelão.

As crianças

perguntam por que há

outras crianças

que não vivem como elas.

O que se responde?

E para quem perguntar

aonde vão parar

as safras recordes e as colheitas fartas?

Pobreza rima com tristeza,

mas e miséria?

A miséria nem rima tem.

Bactéria é rima pobre,

quase uma pilhéria.

Nenhuma rima séria

expõe o que seria,

nenhuma vaga ideia

da crueza da miséria.

Porque a miséria

só rima com miséria.

Nada de poetizar nem de romantizar

a miséria.

A miséria é a sarjeta, a sujeira,

a dor, a fome, a paupérie, a seca.

Miséria urbana, miséria do sertão

é a mesma miséria sempre

que reduz a vida ao chão,

é a falta de provisão,

é previsão desfavorável

mesmo na incerteza de um futuro,

é quando as manhãs já nascem

mortas

e as noites opacas se estendem e se prolongam e demoram

e persistem.

A miséria é um amontoado de indiferenças

e contrastes gritantes,

faca cega,

lágrima afiada sulcando rostos,

um cobertor de feltro imundo

para se esconder aos olhos do mundo.

A miséria e seu odor inconfundível

da espera pela morte próxima,

vida quase,

vida que resiste forte

apesar de toda a miséria.


Há miséria, sim.

Todavia também há

uma mísera migalha

de esperança.

Ah, a esperança...


Como não falar de esperança?

 
 

Não perca nenhuma postagem!

Obrigado!

©2024 por Rodrigo Gerstner. Criado por Casa Poética Editora.

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